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terça-feira, 31 de maio de 2011

JEAN PAUL SARTRE - VIDA E OBRA



“A Filosofia aparece a alguns como um meio homogêneo: os pensamentos nascem nele, morrem nele, os sistemas nele se edificam para nele desmoronar. Outros consideram-na como certa atitude cuja adoção estaria sempre ao alcance de nossa liberdade. Outros ainda, como um setor determinado da cultura. A nosso ver, a Filosofia não existe; sob qualquer forma que a consideremos, essa sombra da ciência, essa eminência parda da humanidade não passa de uma abstração hipostasiada.”
O texto acima constitui as linhas iniciais do livro Questão de Método, escrito, paradoxalmente, por um homem que jamais deixou de fazer de todos os momentos de sua vida uma permanente reflexão sobre os problemas fundamentais da existência humana.
Jean-Paul Sartre nasceu em Paris, no dia 21 de junho de 1905. O pai faleceu dois anos depois e a mãe, Anne-Marie Schweitzer, mudou-se para Meudon, nos arredores da capital, a fim de viver na casa de Charles Schweitzer, avô materno de Sartre. Sobre a morte do pai, escreverá mais tarde: “Foi um mal, um bem? Não sei; mas subscrevo de bom grado o veredicto de um eminente psicanalista: não tenho Superego”.
Seja como for, talvez a ausência da figura paterna em sua vida possa explicar por que Sartre se tornou um homem radicalmente livre, tomada a expressão no sentido que ele lhe dará posteriormente: não existe uma natureza humana, é o próprio homem, numa escolha livre porém “situada”, quem determina sua própria existência.
Outro traço marcante na formação de Sartre foi a imaginação criativa, alimentada pela leitura precoce e intensiva: “...por ter descoberto o mundo através da linguagem, tomei durante muito tempo a linguagem pelo mundo. Existir era possuir uma marca registrada, alguma porta nas tábuas infinitas do Verbo; escrever era gravar nela seres novos foi a minha mais tenaz ilusão , colher as coisas vivas nas armadilhas das frases...” Como conseqüência, aos dez anos de idade quis tornar-se escritor e ganhou uma máquina de escrever. Seria seu instrumento de trabalho por toda a vida.
Em 1924, aos dezenove anos de idade, Sartre ingressou no curso de filosofia da Escola Normal Superior, onde não foi aluno brilhante, mas muito interessado, especialmente pelas aulas de Alain (1868-1951), que dedicava atenção particular à discussão do problema da liberdade. Na Escola Normal, Sartre conheceu Simone de Beauvoir (1908 - 1986), “uma moça bem-comportada” que lhe afirmou : “A parti r de agora, eu tomo conta de você”. Desde então, nunca mais se separaram.
Terminado o curso de filosofia, em 1928, Sartre teve de prestar o serviço militar e o fez em Tours, na função de meteorologista Depois disso obteve uma cadeira de filosofia numa escola secundária do Havre, cidade portuária. Nessa época escreveu um romance, A Lenda da Verdade, recusado pelos editores. Em 1933, passou um ano em Berlim, estudando a fenomenologia de Edmund Husserl (1859-1938), as teorias existencialistas de Heidegger e Karl Jaspers (1883-1969) e a filosofia de Max Scheller (1874-1928). A partir desses autores, Sartre foi levado a obras de Kierkegaard (1813-1855). Apoiado nessas referências principais, Sartre elaborou sua própria versão da filosofia existencialista.
Na Alemanha, Sartre iniciou a redação de Melancolia, romance mais tarde concluído e intitulado A Náusea. De volta à França, publicou, em 1936, A Imaginação e A Transcendência do Ego, trabalhos marcados por forte influência da fenomenologia. Em 1938, foi editada A Náusea. Um ano depois, uma coletânea de contos,  O Muro, e o ensaio Esboço de uma Teoria das Emoções; em 1940, mais um ensaio, O Imaginário, que, como o anterior, utilizava  o método fenomenológico.

O “engajamento” existencialista


            Ao estourar a Segunda Guerra Mundial, Sartre foi convocado para servir como meteorologista na Lorena. Em junho de 1940, caiu prisioneiro e foi encerrado no campo de concentração de Trier, Alemanha. Cerca de um ano mais tarde, conseguiu escapar e, na primavera de 1941, encontrou-se, em Paris, com Simone de Beauvoir.
Em Paris, Sartre fundou o grupo Socialismo e Liberdade, a fim de colaborar com a Resistência, produzindo panfletos clandestinos contra a ocupação alemã e contra os colaboracionistas franceses. Em março de 1943, encenou sua primeira peça teatral, intitulada As Moscas, uma lenda grega, segundo o programa. Na verdade, todos os elementos da peça funcionavam simbolicamente: o reino de Agamenão era a França ocupada; Egisto, o comando alemão que depusera ás autoridades francesas; Clitemnestra, os colaboracionistas; a praga das moscas, o medo de setores cada vez mais amplos da população; o gesto final de Orestes, eliminando a praga das moscas, uma exortação à luta contra os alemães.
No mesmo ano, Sartre publicou um volumoso ensaio filosófico, iniciado em 1939: O Ser e o Nada, obra fundamental da teoria existencialista. Em 1945, uma nova peça teatral, Entre Quatro Paredes, põe em cena personagens que vivem os dramas existenciais abordados por Sartre nas obras teóricas. Os romances que escreveu na mesma época fazem o mesmo: A idade da Razão,SursisCom a Morte na Alma.
Terminada a Segunda Guerra Mundial, em 1945, Sartre dissolveu o movimento Socialismo e Liberdade, por corresponder apenas a uma necessidade da Resistência, e fundou a revista Os Tempos Modernos, juntamente com Merleau-Ponty (1908-1961), Raymond Aron (1905-1983) e outros intelectuais. Na revista apareceram os trabalhos mais diversos, colocando e analisando os principais problemas da época, sem qualquer espírito sectário.
Em 1946, diante das críticas à sua filosofia existencialista, exposta em O Ser e o Nada, Sartre publica O Existencialismo é um Humanismo, onde mostra o significado ético do existencialismo. No mesmo ano, publica também duas peças, Mortos sem Sepultura e A Prostituta Respeitosa e o ensaio Reflexões Sobre a Questão Judaica, onde defende a tese de que a emancipação dos judeus só será possível numa sociedade sem classes. Em 1948, encena As Mãos Sujas e, três anos depois, O Diabo e o Bom Deus. No plano da ação política, política essa época marca a aproximação de Sartre do Partido Comunista, ao qual acaba por filiar-se, em 1952. A intervenção soviética na Hungria, em 1956, leva-o, porém, a romper com o Partido e escrever um artigo, O Fantasma de Stálin, no qual explica sua posição, em face dos desvios do espírito do marxismo por parte das autoridades soviéticas.
Nos anos seguintes, Sartre continuaria sendo, ao mesmo tempo, um homem de ação e de pensamento. Em 1960, publica um extenso trabalho, ho, a Crítica da Razão Dialética, precedido ido pelo ensaio Questão de Método, nos quais se encontram reflexões no sentido de unir o existencialismo e o marxismo. A obra literária também não cessa e no mesmo ano é estreada a peça Seqüestrados de Altona, cujo tema é o problema do colonialismo francês na Argélia, embora a ação transcorra na Alemanha nazista. O interesse pelo problema argelino liga-se, em Sartre, aos problemas mais gerais do Terceiro Mundo. Viaja para Cuba e para o Brasil (1961) e vê no conflito vietnamita um alargamento “do campo do possível” por parte dos revolucionários vietcongs.
Em 1964, surpreende seus admiradores com As Palavras, análise do significado psicológico e existencial de sua infância. No mesmo ano é-lhe atribuído o Prêmio Nobel de Literatura, mas ele o recusa. Receber a honraria significaria reconhecer a autoridade dos juízes, o que considera inadmissível concessão.
A carreira Literária de Sartre parecia a muitos ter-se encerrado com As Palavras. Em 1971, porém, Sartre surpreende de novo seu público, com a primeira parte de um extenso estudo sobre Flaubert, L'Idiot de Famille.

Itinerário do pensamento sartreano


Do ponto de vista estritamente filosófico, o itinerário do pensamento de Sartre inicia-se com A Transcendência do EgoA ImaginaçãoEsboço de uma Teoria das Emoções e O Imaginário, publicados entre 1936 e 1940. Neles encontram-se aplicações do método fenomenológico formulado por Husserl, ao mesmo tempo que o autor se afasta do mestre e chega a criticar algumas de suas posições. Mas a obra na qual se encontra a filosofia existencialista que celebrizou Sartre éO Ser e o Nada.
O Ser e o Nada subintitula-se ensaio de ontologia fenomenológica, o que desde o início define a perspectiva metodológica adotada pelo autora A abordagem proposta pretende não confundir o objetivo do livro com as metafísicas tradicionais. Estas sempre contrastaram ser a aparência, essências subjacentes à realidade e fenômenos, o que estaria atrás das coisas e as próprias coisas como suas manifestações. A ontologia fenomenológica superaria essa dual idade pela descrição do ser como aquilo que se dá imediatamente, ou seja, não propondo explicar a experiência humana por referência a uma realidade extrafenomenal. Nesse sentido, a ontologia fenomenológica seria idêntica a outras espécies de descrições fenomenológicas, como as que o próprio Sartre realizou com relação às emoções e ao imaginário. Para Sartre, o dualismo de ser e parecer não tem mais “direito de cidadania na filosofia”. O ser de um existente qualquer seria precisamente aquilo que parece e não existiria outra real idade fora do fenômeno: “O fenômeno pode ser estudado e descrito enquanto tal, pois ele é absolutamente indicativo de si mesmo”. Isso não quer dizer que o fenômeno não seja verdadeiramente um ser. Para Sartre, o ser do fenômeno é posto pela própria consciência e esta tem como caráter essencial a intencionalidade. Em outros termos, a consciência visa a um objeto transcendente, implicando, portanto, a existência de um ser não-consciente. Poder-se-ia então concluir que existem dois tipos de ser: o ser-para-si (consciência) e o ser-em-si (fenômeno).
Do ser-em-si somente se pode dizer que ele “é aquilo que é”. Isso significa que o “ser-em-si é opaco para si mesmo”, nem ativo nem passivo, sem qualquer relação fora de si, não derivado de nada, nem de outro ser: o ser-em-si simplesmente é. Daí o caráter de absurdo que o ser-em-si carrega como sua determinação fundamental. A densidade opaca, o absurdo do ser-em-si provocaria no homem o mal-estar, que Sartre denomina náusea.
Para Sartre, o ser-para-si, a consciência, é radicalmente diferente, definindo-se “como sendo aquilo que não é e não sendo aquilo que ele é”. Enquanto o ser-em-si é inteiramente preenchido por si mesmo e sem nenhum vazio, a consciência é constituída por uma descompressão do ser. A consciência é presença para si mesma, o que supõe que uma fissura se instala dentro do ser. Essa fissura, ou descolamento, é a marca do nada no interior da consciência. O nada é um “buraco” mediante o qual se constitui o ser-para-si, e o fundamento do nada é o próprio homem: “mediante o homem é que o nada irrompe no mundo”.
O ser-para-si conteria, portanto, uma abertura e seria precisamente essa abertura a responsável pela faculdade do para-si no sentido de sempre poder ultrapassar seus próprios limites. Enquanto o ser-em-si permaneceria fechado dentro de suas próprias fronteiras, o ser-para-si ultrapassar-se-ia perpetuamente, e esse poder de transcendência seria expresso através das formas do tempo. Em outros termos, o ser-para-si seria um ser para o futuro, seria espontaneidade criadora.
Segundo Sartre, o tempo é também expressão de mistura entre o em-si e o para-si e essa mistura constitui a existência humana. Dentro dessa perspectiva, o passado não existe, a não ser enquanto ligado ao presente; todo indivíduo pode afirmar: eu sou meu passado e no momento de minha morte não serei mais do que o meu passado que, agora, é meu presente. O passado, pensa Sartre, é a marca do em-si. Enquanto o homem é consciente de si mesmo, no presente, ele vive segundo o modo do para-si; contudo, o seu passado tem todas as características do em-si. Da mesma forma como o corpo humano das sereias termina em cauda de peixe, a existência humana constitui-se, sobretudo, pela espontaneidade da consciência, mas encontra atrás de si um ser que tem toda a fixidez de uma coisa qualquer do mundo.
Apesar disso, afirma Sartre, não é possível ver na consciência algo distinto do corpo: Este não é uma coisa que se liga exteriormente à consciência; pelo contrário, é constitutivo da própria consciência. A consciência é, estruturalmente, intencional e, portanto, relação com o mundo; o corpo exprime a imersão no mundo, característica da existência humana. O corpo é um centro, em relação ao qual se ordenam as coisas do mundo e, por isso, constitui uma estrutura permanente que torna possível a consciência. Sartre vai mais longe em sua interpretação, dizendo que o corpo é a própria condição da liberdade. Não existe liberdade sem escolha e o corpo é precisamente a necessidade de que haja escolha, isto é, de que o homem não seja imediatamente a total idade do ser. O corpo é, por conseguinte, tanto a condição da consciência como consciência do mundo, quanto fundamento da consciência enquanto liberdade.

Dramas da liberdade


A teoria sartreana do ser-para-si conduz a uma teoria da liberdade. O ser-para-si define-se como ação e a primeira condição da ação é a liberdade. O que está na base da existência humana é a livre escolha que cada homem faz de si mesmo e de sua maneira de ser. O em-si, sendo simplesmente aquilo que é, não pode ser livre. A liberdade provém do nada que obriga o homem a fazer-se, em lugar de apenas ser. Desse princípio decorre a doutrina de Sartre, segundo a qual o homem é inteiramente responsável por aquilo que é; não tem sentido as pessoas quererem atribuir suas falhas a fatores externos, como a hereditariedade ou a ação do meio ambiente ou a influência de outras pessoas. Por outro lado, a autonomia da liberdade, enquanto determinação fundamental e radical do ser-para-si, vale dizer do homem, faz da doutrina existencialista uma filosofia que prescinde inteiramente da idéia de Deus. Sartre tira todas as conseqüências desse ateísmo, eliminando qualquer fundamento sobrenatural para os valores: é o homem que os cria. A vida não tem sentido algum antes e independentemente do fato de o homem viver; o valor da vida é o sentido que cada homem escolhe para si mesmo. Em síntese, o existencialismo sartreano é uma radical forma de humanismo, suprimindo a necessidade de Deus e colocando o próprio homem como criador de todos os valores.
Ao lado das análises volumosas e rigorosamente técnicas de O Ser e a Nada, nas quais se encontra exposta a filosofia existencialista, Sartre expressou seu pensamento através de várias obras I literárias,
que o colocam como um dos maiores escritores do século XX. Nelas encontram-se todos os temas fundamentais de sua concepção do homem, real realizados no plano concreto das personagens, suas ações e suas situações existenciais.
Antoine Roquentin, personagem principal de A Náusea (1938), vive sozinho, sem amigos, sem amante, nada lhe importando, nem os outros homens, nem ele mesmo; o mundo para ele não tem nenhuma razão de ser e é absurdo porque composto de seres em-si: a cidade, o jardim, as árvores.
Pablo Ibietta, republicano espanhol, personagem central de O Muro, vive uma das “situações-limite” descritas por Sartre: momentos de intensificação de conflitos sociais e individuais, quando o homem é obrigado a fazer uma escolha e afirmar sua liberdade radical. Pablo Ibietta, preso e torturado pelos fascistas de Franco, vê postas à prova as virtudes da coragem, fidelidade e sangue-frio. O próprio Sartre  viveu uma dessas “'situações-limite”, quando preso num campo de concentração nazista, em 1940, do qual conseguiu fugir, fazendo sua escolha: participar da resistência ao invasor alemão.
O problema da ação e da liberdade constitui o tema da trilogia de romances Os Caminhos da Liberdade. No primeiro, A Idade da Razão (1945), as questões individuais predominam, a história e a política são panos de fundo. Mathieu Delorme, jovem professor de filosofia, procura a liberdade pura, sem compromisso de qualquer espécie; Brunet, ao contrário, personifica a renúncia da liberdade pessoal em favor do engajamento político; Daniel ilustra a tese gideana da liberdade como ato gratuito, sem qualquer motivo; Jacques abandona os sonhos juvenis de liberdade para casar-se, ter um trabalho, viver uma vida “regular”. No segundo volume da trilogia, Sursis (1945), os acontecimentos políticos revelam que os projetos de vida individuais são, na verdade, determinados pelo curso da história, tornando-se ilusória a busca da liberdade num plano puramente pessoal: a liberdade é sempre vivida "em situação" e realizada no engajamento de projetos voltados para interesses humanos comunitários. Apenas um compromisso com a história pode dar sentido à existência individual. Em Com a Morte na Alma (1949), último romance da  trilogia, trilogia, Mathieu ilustra a tese do engajamento gratuito; ele arrisca a própria vida apenas para retardar algumas horas a investida das tropas alemãs.
Outras obras literárias de Sartre ilustram as teses existencialistas. Canoris, personagem da peça Mortos sem Sepultura (1946), é um homem de ação, pronto para enfrentar a morte pela causa da liberdade.  Hugo, nas Mãos Sujas (1948), é um  intelectual da classe média, engajado no Partido Comunista, não “por convicção” mas para satisfazer sua necessidade de ação. Na peça O Diabo e o Bom Deus (1951), Goetz é um nobre da Idade Média que abandona seus privilégios para fazer o bem aos camponeses. Inspirados nesse exemplo, os camponeses rebelam-se contra todos os senhores feudais e empregam a violência. Goetz acaba por concluir que, para transformar o mundo, a violência, às vezes, é necessária; é preciso “ter as mãos sujas”, para combater a opressão; o Bem abstrato e sobrenatural nada consegue realizar, só o próprio homem é criador de sua liberdade.

Existencialismo e marxismo


O homem enquanto ser-em-situação, a  necessidade de engajamento, a responsabilidade pessoal por todas as ações e projetos de vida e, sobretudo, a liberdade como raiz fundamental da pessoa humana são as coordenadas do pensamento existencialista de Sartre. As obras puramente teóricas expõem seus fundamentos filosóficos, e o teatro, o romance e o conto revelam concretamente essas idéias. Por outro lado, a própria vida do autor, principalmente depois de 1940, quando passou a participar ativamente dos acontecimentos políticos de seu tempo, também é testemunho de suas teses.
As posições filosóficas iniciais de Sartre sofreram transformações, à medida que o filósofo buscou inserir o existencialismo numa concepção mais ampla. Essas transformações derivaram, por um lado, do próprio existencialismo sartreano, que constitui uma filosofia “aberta”, e, por outro, do engajamento social e político do filósofo. Do ponto de vista da fundamentação teórica, essa nova concepção de Sartre encontra-se em Questão de Método e Crítica da Razão Dialética, publicadas em 1960.
Nessas obras, o problema fundamental colocado pelo autor é saber se é possível constituir uma antropologia ao mesmo tempo estrutural e histórica. Em outros termos, o objetivo visado por Sartre é saber se há possibilidade de se reencontrar uma compreensão unitária do homem, para além das várias teorias, das várias técnicas, das várias ciências que o investigam. Sartre, contudo, não pretende inventar esse novo saber do homem. Não se trata de opor à tradição uma nova filosofia, capaz de fornecer soluções para os problemas que as antigas doutrinas sobre o homem não conseguiram resolvera Esse novo saber já existe segundo Sartre e circula anonimamente entre os homens: o marxismo. O marxismo, para Sartre, é a filosofia insuperável do século XX, “é o clima de nossas idéias, o meio no qual estas se nutrem... a totalização do saber contemporâneo”, porque reflete a práxis que a engendrou. Na mesma linha de idéias, Sartre afirma que, depois da morte do pensamento burguês, o marxismo é, por si só, “a cultura, pois é o único que permite compreender as obras, os homens e os acontecimento i mentos”.
Sartre, contudo, não quer se referir ao marxismo oficial, tampouco pretende revisar ou superar as obras de Marx, pois para ele o marxismo supera-se a si mesmo, sendo uma filosofia que, por conta própria, se adapta às transformações sociais. Por outro lado, também não pretende voltar ao materialismo dialético puro e simples, pois este – pensa Sartre – não conseguiu dar conta das ciências, que permanecem ainda no estágio positivista. Também não se trata do materialismo histórico exclusivamente. Separar o materialismo dialético do materialismo histórico constituiria uma divisão artificial dos domínios do saber e contrariaria o espírito do marxismo, que pretende ser um projeto de totalização do conhecimento.
Dentro da concepção sartreana de que o marxismo constitui a “filosofia de nosso tempo”, o existencialismo é concebido como “um território encravado no própria marxismo” que, ao mesmo tempo, o engendra e o recusa. O marxismo de Sartre é, assim, um marxismo existencialista, dentro do qual o existencialismo seria apenas uma ideologia. Um segundo aspecto de sua doutrina consistiria no modo pelo qual Sartre procura resolver o problema das relações materiais de produção, através do projeto existencial. O que não significa que se trate de um existencialismo tingido de marxismo, posto que o existencialismo esteja “encravado” no marxismo. Significa antes que, se o saber é marxista, sua linguagem pode ser a linguagem do existencialismo. Ao afirmar que o marxismo “é a filosofia insuperável de nosso tempo”, Sartre não faz dela uma filosofia eterna. A rigor afirma , o marxismo deverá ser superado quando existir “para todos uma margem de liberdade real além da produção da vida”. Pode-se imaginar, no futuro, num universo de abundância, uma filosofia que seja apenas uma filosofia da liberdade; mas a experiência atual não permite sequer imaginá-la.

Cronologia


1905 – Jean-Paul Sartre nasce em Paris, a 21 de junho.
1907 – Morte de seu pai: Muda se para a casa da avó materna, em Meudon; retorna a Paris quatro anos depois.
1917 – Em novembro, os comunistas conquistam o poder na Rússia. 1922 – Mussolini, na Itália, instaura o regime fascista.
1924 – Sartre matricula-se na Escola Normal Superior, em Paris. Conhece Simone de Beauvoir.
1931 – É nomeado professor de filosofia no Havre.
1933 – Hitler instaura o regime nazista na Alemanha.
1936 – Sartre publica A Imaginação e A Transcendência do Ego.
1938 – Publica A Náusea.
1939 – Eclode a Segunda Guerra Mundial.
1940 – Servindo na guerra, Sartre é feito prisioneiro pelos alemães e enviado a um campo de concentração.
1941 – Liberto, volta a França e entra para a Resistência. Funda o movimentoSocialismo e Liberdade.
1943 – Publica O Ser e o Nada.
1945 – Fim da Segunda Guerra Mundial. Sartre dissolve Socialismo e Liberdade e funda, com Merleau-Ponty, a revista Les Temps Modernes.
1952 – Sartre ingressa no Partido Comunista Francês.
1956 – Rompe com o Partido Comunista. Escreve O Fantasma de Stálin.
1960 – Sartre publica Crítica da Razão Dialética.
1964 – Publica As Palavras. Recusa o Prêmio Nobel de Literatura.
1968 – Durante a revolta estudantil na França e em várias partes do mundo, Sartre põe-se ao lado dos estudantes nas barricadas.
1970 – Sartre assume simbolicamente a direção do jornal esquerdista La Cause de Peuple, em protesto à prisão de seus diretores.
1971 – Publica O Idiota da Família.
1973 – Colabora na fundação do jornal libertário Libértacion.
1980 – Morre Jean-Paul Sartre.

Bibliografia:
SARTRE – Os Pensadores – Ed. Abril – Consultoria: Marilena Chauí




segunda-feira, 30 de maio de 2011

PIAGET E VYGOTSKY - Diferenças e Semelhanças.



O que foi visto, é possível afirmar que tanto Piaget como Vygotsky concebem a criança como um ser ativo, atento, que constantemente cria hipóteses sobre o seu ambiente. Há, no entanto, grandes diferenças na maneira de conceber o processo de desenvolvimento. As principais delas, em resumo, são as seguintes:
A) QUANTO AO PAPEL DOS FATORES INTERNOS E EXTERNOS NO DESENVOLVIMENTO
Piaget privilegia a maturação biológica; Vygotsky, o ambiente social, Piaget, por aceitar que os fatores internos preponderam sobre os externos, postula que o desenvolvimento segue uma seqüência fixa e universal de estágios. Vygotsky, ao salientar o ambiente social em que a criança nasceu, reconhece que, em se variando esse ambiente, o desenvolvimento também variará. Neste sentido, não se pode aceitar uma visão única, universal, de desenvolvimento humano.
B) QUANTO À CONSTRUÇÃO REAL
Piaget acredita que os conhecimentos são elaborados espontaneamente pela criança, de acordo com o estágio de desenvolvimento em que esta se encontra. A visão particular e peculiar (egocêntrica) que as crianças mantêm sobre o mundo vai, progressivamente, aproximando-se da concepção dos adultos: torna-se socializada, objetiva. Vygotsky discorda de que a construção do conhecimento proceda do individual para o social. Em seu entender a criança já nasce num mundo social e, desde o nascimento, vai formando uma visão desse mundo através da interação com adultos ou crianças mais experientes. A construção do real é, então, mediada pelo interpessoal antes de ser internalizada pela criança. Desta forma, procede-se do social para o individual, ao longo do desenvolvimento.
C) QUANTO AO PAPEL DA APRENDIZAGEM
Piaget acredita que a aprendizagem subordina-se ao desenvolvimento e tem pouco impacto sobre ele. Com isso, ele minimiza o papel da interação social. Vygotsky, ao contrário, postula que desenvolvimento e aprendizagem são processos que se influenciam reciprocamente, de modo que, quanto mais aprendizagem, mais desenvolvimento.
D) QUANTO AO PAPEL DA LINGUAGEM NO DESENVOLVIMENTO E Á RELAÇÃO ENTRE LINGUAGEM E PENSAMENTO
Segundo Piaget, o pensamento aparece antes da linguagem, que apenas é uma das suas formas de expressão. A formação do pensamento depende, basicamente, da coordenação dos esquemas sensorimotores e não da linguagem. Esta só pode ocorrer depois que a criança já alcançou um determinado nível de habilidades mentais, subordinando-se, pois, aos processos de pensamento. A linguagem possibilita à criança evocar um objeto ou acontecimento ausente na comunicação de conceitos. Piaget, todavia, estabeleceu uma clara separação entre as informações que podem ser passadas por meio da linguagem e os processos que não parecem sofrer qualquer influência dela. Este é o caso das operações cognitivas que não podem ser trabalhadas por meio de treinamento específico feito com o auxílio da linguagem. Por exemplo, não se pode ensinar, apenas usando palavras, a classificar, a seriar, a pensar com responsabilidade.
Já para Vygotsky, pensamento e linguagem são processos interdependentes, desde o início da vida. A aquisição da linguagem pela criança modifica suas funções mentais superiores: ela dá uma forma definida ao pensamento, possibilita o aparecimento da imaginação, o uso da memória e o planejamento da ação. Neste sentido, a linguagem, diferentemente daquilo que Piaget postula, sistematiza a experiência direta das crianças e por isso adquire uma função central no desenvolvimento cognitivo, reorganizando os processos que nele estão em andamento. 
Síntese das idéias da Vygotsky 
Para Vygotsky, a cultura molda o psicológico, isto é, Determina a maneira de pensar. Pessoas de diferentes culturas têm diferentes perfis psicológicos. As funções psicológicas de uma pessoa são desenvolvidas ao longo do tempo e mediadas pelo social, através de símbolos criados pela cultura. A linguagem representa a cultura e depende do intercâmbio social. Os conceitos são construídos no processo histórico e o cérebro humano é resultado da evolução. Em todas as culturas, os símbolos culturais fazem a mediação. Os conceitos são construídos e internalizados de maneira não linear e diferente para cada pessoa. Toda abordagem é feita de maneira holística (ampla) e o cotidiano é sempre em movimento, em transformação. È a Dialética. A palavra é o microcosmo, o início de tudo e tem vários significados, ou seja, é polissêmica; a mente vai sendo substituída historicamente pala pessoa, que é sujeito do seu conhecimento.
Vygotsky desenvolveu um grande trabalho, reconhecido pelos estudiosos sobre a formação de conceitos. Os conceitos espontâneos ou do cotidiano, também chamados de senso comum, são aqueles que não passaram pelo crivo da ciência. Os conceitos científicos são formais, organizados, sistematizados, testados pelos meios científicos, que em geral são transmitidos pela escola e que aos poucos vão sendo incorporados ao senso comum. Trabalha com a idéia de zonas de desenvolvimento. Todos temos uma zona de desenvolvimento real, composta por conceitos que já dominamos. Vamos imaginar que numa escala de zero a 100, estamos nos 30; esta é a zona de desenvolvimento real nossa. Para os outros 70, sendo o nosso potencial, Vygotsky chama de ZONA de DESENVOLVIMENTO PROXIMAL. Se uma pessoa chega aos 100, a sua Zona de Desenvolvimento Proximal será ampliada, porque estamos sempre adquirindo conceitos novos. Estabelece três estágios na aquisição desses conceitos. O 1º é o dos Conceitos Sincréticos, ainda psicológicos evolui em fases e a escrita acompanha. Uma criança de, aproximadamente, três anos de idade escreve o nome da mãe ou do pai, praticando a Escrita Indecifrável, ou seja, se o pai é alto, ela faz um risco grande, se a mãe é baixa, ela risca algo pequeno. Aproximadamente aos 4 anos de idade, a criança entra numa nova fase, a Escrita Pré-silábica, que pode ser Unigráfica: semelhante ao desenho anterior, mas mais bem elaborado; Letras Inventadas: não é possível ser entendido, porque não pertence a nenhum sistema de signo; Letras Convencionais: jogadas aleatoriamente sem obedecer a nenhuma seqüência lógica de escrita.
No desenvolvimento, aos 4 ou 5 anos, a criança entra na fase da Escrita Silábica, quando as letras convencionais representam sílabas, não separam vogais e consoantes, faz uma mistura e às vezes só maiúscula ou só minúscula.
Com aproximadamente 5 anos, a criança entra em outra fase, a Escrita Silábica Alfabética. Neste momento a escrita é caótica, faltam letras, mas apresenta evolução em relação à fase anterior.
Com mais ou menos 6 anos de idade, a criança entra na fase da Escrita Alfabética: já conhece o valor sonoro das letras, mas ainda erra. Somente com o hábito de ler e escrever que esses erros vão sendo corrigidos.Ferreiro aconselha não corrigir a escrita da criança durante as primeiras fases. No início, ela não tem estrutura e depois vai adquirindo aos poucos. Nesse instante o erro deve ser trabalhado, porque a criança está adquirindo as estruturas necessárias.
Sobre educação de adultos, considera que as fases iniciais já foram eliminadas, porque mesmo sendo analfabeta, a pessoa conhece números e letras.
Considera a Zona de Desenvolvimento Proximal de Vygotsky, a lei de equilíbrio e desequilíbrio de Piaget e a internalização do conhecimento. Trabalha com hipóteses, no contexto, com visão de processo, aceitando a problematização, dentro da visão Dialética holística. 
Teoria Piagetiana
A Psicologia de Piaget está fundamentada na idéia de equilibração e desequilibração. Quando uma pessoa entra em contato com um novo conhecimento, há naquele momento um desequilíbrio e surge a necessidade, de voltar ao equilíbrio. O processo começa com a assimilação do elemento novo, com a incorporação às estruturas já esquematizadas, através da interação. Há mudanças no sujeito e tem início o processo de acomodação, que aos poucos chega à organização interna. Começa a adaptação externa do sujeito e a internalização já aconteceu. Um novo desequilíbrio volta a acontecer e pode ser provocada por carência, curiosidade, dúvida etc. O movimento é dialético (de movimento constante) e o domínio afetivo acompanha sempre o cognitivo (habilidades intelectuais), no processo endógeno.
Piaget trabalhou o desenvolvimento humano em etapas, períodos, estágios etc.
Erro na teoria Piagetiana
Se uma pessoa erra e continua errando, uma das três situações está ocorrendo:
·        Se a pessoa não tem estrutura suficiente para compreender determinado conhecimento, deve-se criar um ambiente melhor de trabalho, clima, diálogo, porque é impossível criar estruturas necessárias. EX: não se devem ensinar conhecimentos abstratos, teorias complicadas para uma criança que ainda não atingiu a faixa etária esperada, que se encontra no período das operações concretas;
·        Se a pessoa possui estruturas em formação, o professor deve trabalhar com a idéia de que o erro é construtivo, deve fazer a mediação, ajudando o aluno a superar as dificuldades;
·        Se a pessoa possui estruturas e não aprende, os procedimentos estão errados. O professor fará intervenção para que o aluno tome consciência do erro. Em muitos casos quem deve mudar os seus procedimentos é o professor
Por Renata Gonçalves

segunda-feira, 23 de maio de 2011

CAIXA DE PANDORA



O Mito de Pandora

Zeus – o deus supremo da mitologia grega - é fruto de uma complicada teogonia que se assemelha à genealogia humana. Bravo e vingativo, o deus dos gregos casou-se inúmeras vezes gerando uma sucessão de outros menores: Apolo, Hebe, Hermes, as Musas, etc.
Diz-se do estranho chefe do Olimpo que havia ódio em seu coração e que tinha prazer em castigar os homens. E que certa vez, para vingar-se de certo humano de nome Prometeu que roubara uma faísca do sol para com ela iluminar a inteligência dos homens, o mal humorado superintendente celeste resolve castigá-los fazendo-os se perder para sempre por meio de uma mulher extremamente bela, detentora de todos os dons, Pandora, a primeira mulher!
Ela é criada e enviada a Epimeteu (o que vê depois), embora Prometeu (o previdente) houvesse aconselhado seu irmão a não aceitar nenhum presente de Zeus de quem desconfiava muito. Ela traz consigo do Olimpo um presente de núpcias para Epimeteu: uma arca de ouro hermeticamente fechada.
Segundo Hesíodo, o poeta camponês, Pandora teria aberto a caixa levada pela curiosidade ,de onde saem todas as desgraças e calamidades para os homens que viviam tranqüilos e felizes até então. Ao fechá-la,  rapidamente, conseguiu prender em seu interior a esperança que por séculos ficaria encerrada como uma promessa de retorno aos felizes e ditosos tempos da infância da espécie humana sobre a Terra.
A curiosa lenda traz consigo aspectos interessantes relacionados com outras lendas e crendices que fazem parte de outras culturas, e com muitos preconceitos que até hoje sobrexistem.
Sobre a curiosidade da primeira mulher, que muito tem a ver com a indiscrição, e que não é somente feminina, e suas conseqüências desastrosas , pode-se dizer que na história real do ser humano ela transformou-se num terrível defeito que tem causado muitas desgraças e calamidades; que conduz ao intrometimento, à indiscrição, à superficialidade, à vulgaridade, ao efêmero. Compreensível no homem pré-histórico e nas crianças, que de certa forma reproduzem a evolução da espécie desde os primeiros tempos, e também nos homens de ciência em suas investigações, é inaceitável para o homem de hoje quando o torna distante de si , atento a tudo quanto ocorre ao seu redor, mas alheio ao que ocorre com  sua pessoa.
O mito de Pandora pode nos levar a muitas conclusões:  desde a inutilidade de um deus vingativo até a necessidade  de se transcender estados inferiores de evolução; a necessidade de rever os preconceitos que existem relacionados com a mulher, cuja graça e beleza não poderiam nunca ser  invólucro do pecado e da desgraça especialmente encomendados por um Zeus duvidoso.
A esperança, providencialmente encerrada na caixa de Pandora, residiria na possibilidade da superação das condições humanas a partir da evolução pessoal de cada indivíduo que sentisse a necessidade de construir um mundo melhor para si e para a humanidade .

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Nagib Anderáos Neto
Publicado no Recanto das Letras em 01/09/2005
Código do texto: T46842

sexta-feira, 20 de maio de 2011

MITO DA CAVERNA


O Mito da Caverna

reprodução
   Platão    (428-347)
O Mito da Caverna narrado por Platão no livro VII doRepublica é, talvez, uma das mais poderosas metáforas imaginadas pela filosofia, em qualquer tempo, para descrever a situação geral em que se encontra a humanidade. Para o filósofo, todos nós estamos condenados a ver sombras a nossa frente e tomá-las como verdadeiras. Essa poderosa crítica à condição dos homens, escrita há quase 2500 anos atrás, inspirou e ainda inspira inúmeras reflexões pelos tempos a fora. A mais recente delas é o livro de José Saramago A Caverna.

A Condição Humana
Platão viu a maioria da humanidade condenada a uma infeliz condição. Imaginou (no Livro VII de A República, um diálogo escrito entre 380-370 a.C.) todos presos desde a infância no fundo de uma caverna, imobilizados, obrigados pelas correntes que os atavam a olharem sempre a parede em frente. O que veriam então? Supondo a seguir que existissem algumas pessoas, uns prisioneiros, carregando para lá para cá, sobre suas cabeças, estatuetas de homens, de animais, vasos, bacias e outros vasilhames, por detrás do muro onde os demais estavam encadeados, havendo ainda uma escassa iluminação vindo do fundo do subterrâneo, disse que os habitantes daquele triste lugar só poderiam enxergar o bruxuleio das sombras daqueles objetos, surgindo e se desafazendo diante deles. Era assim que viviam os homens, concluiu ele. Acreditavam que as imagens fantasmagóricas que apareciam aos seus olhos (que Platão chama de ídolos) eram verdadeiras, tomando o espectro pela realidade. A sua existência era pois inteiramente dominada pela ignorância (agnóia).

Libertando-se dos grilhões
Se por um acaso, segue Platão na sua narrativa, alguém resolvesse libertar um daqueles pobres diabos da sua pesarosa ignorância e o levasse ainda que arrastado para longe daquela caverna, o que poderia então suceder-lhe? Num primeiro momento, chegando do lado de fora, ele nada enxergaria, ofuscado pela extrema luminosidade do exuberante Hélio, o Sol, que tudo pode, que tudo provê e vê. Mas, depois,
reprodução (estátua de Rodin)
   Livre é quem pensa
 aclimatado, ele iria desvendando aos poucos, como se fosse alguém que lentamente recuperasse a visão, as manchas, as imagens, e, finalmente, uma infinidade outra de objetos maravilhosos que o cercavam. Assim, ainda estupefato, ele se depararia com a existência de um outro mundo, totalmente oposto ao do subterrâneo em que fora criado. O universo da ciência (gnose) e o do conhecimento (espiteme), por inteiro, se escancarava perante ele, podendo então vislumbrar e embevecer-se com o mundo das formas perfeitas.

As Etapas do Saber
Com essa metáfora - o tão justamente famoso Mito da Caverna - Platão quis mostrar muitas coisas. Uma delas é que é sempre doloroso chegar-se ao conhecimento, tendo-se que percorrer caminhos bem definidos para alcançá-lo, pois romper com a inércia da ignorância (agnosis) requer sacrifícios. A primeira etapa a ser atingida é a da opinião (doxa), quando o indivíduo que ergueu-se das profundezas da caverna tem o seu primeiro contanto com as novas e imprecisas imagens exteriores. Nesse primeiro instante, ele não as consegue captar na totalidade, vendo apenas algo impressionista flutuar a sua frente. No momento seguinte, porém, persistindo em seu olhar inquisidor, ele finalmente poderá ver o objeto na sua integralidade, com os seus perfis bem definidos. Ai então ele atingirá o conhecimento (episteme). Essa busca não se limita a descobrir a verdade dos objetos, mas algo bem mais superior: chegar à contemplação das idéias morais que regem a sociedade - o bem (agathón), o belo (to kalón) e a justiça (dikaiosyne).

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O Visível e o Inteligível

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   No exercício da vida
Há pois dois mundos. O visível é aquele em que a maioria da humanidade está presa, condicionada pelo lusco-fusco da caverna, crendo, iludida que as sombras são a realidade. O outro mundo, o inteligível, é apanágio de alguns poucos. Os que conseguem superar a ignorância em que nasceram e, rompendo com os ferros que os prendiam ao subterrâneo, ergueram-se para a esfera da luz em busca das essências maiores do bem e do belo (kalogathia). O visível é o império dos sentidos, captado pelo olhar e dominado pela subjetividade; o inteligível é o reino da inteligência (nous) percebido pela razão (logos). O primeiro é o território do homem comum (demiurgo) preso às coisas do cotidiano, o outro, é a seara do homem sábio (filósofo) que volta-se para a objetividade, descortinando um universo diante de si.

O Desconforto do Sábio
Platão então pergunta (pela boca de Sócrates, personagem central do diálogo A República), o que aconteceria se este ser que repentinamente descobriu as maravilhas do mundo dominado por Hélio, o fabuloso universo inteligível, descesse de volta à caverna? Como ele seria recebido? Certamente que os que se encontram encadeados fariam mofa dele, colocando abertamente em dúvida a existência desse tal outro mundo que ele disse ter visitado. O recém-vindo certamente seria unanimemente hostilizado. Dessa forma, Platão traçou o desconforto do homem sábio quando é obrigado a conviver com os demais homens comuns. Não acreditam nele, não o levam a sério. Imaginam-no um excêntrico, um idiossincrático, um extravagante, quando não um rematado doido (destino comum a que a maior parte dos cientistas, inventores, e demais revolucionários do pensamento tiveram que enfrentar ao longo da história).

Quais as Alternativas

reprodução (Platão e Aristóteles, detalhe de Rafael)
   A sabedoria deve ser    partilhada
Deveria por isso o sábio então desistir? O riso e o deboche com que invariavelmente é recebido fariam com que ele devesse se afastar do convívio social? Quem sabe não seria preferível que ele se isolasse num retiro solitário, com as costas voltadas para a cidade. Hostil à idéia da vida monacal ao estilo dos pitagóricos, Platão foi incisivo: o conhecimento do sábio deve ser compartilhado com seus semelhantes, deve estar à serviço da cidade. O filósofo cheio de sabedoria e geometria que leva uma existência de eremita, acreditando-se um habitante das ilhas afortunadas, de nada serve. Isso porque a lei não se preocupa em assegurar a felicidade apenas para uma determinada classe de cidadãos (no caso, os sábios), mas sim se esforça para "realizar a ventura da cidade inteira". A liberdade que os sábios (o conhecimento dá aos seus portadores a sensação de liberdade) parecem gozar não é para eles "se voltarem para o lado que lhes aprouver, mas para fazê-los concorrer ao fortalecimento do laço do Estado".

O Governo dos Sábios

reprodução
   O governo deve ser dos    sábios
Platão não ficou apenas na recomendação de que os sábios devem socializar o conhecimento. Ousou ir bem mais além. Justamente por eles, os filósofos, serem menos "apressados em chegar ao poder" (sabendo perfeitamente distinguir o visível do inteligível, a imagem da realidade, o falso do verdadeiro), é que devem ser chamados para a regência das sociedade. A presença deles impediria as sedições e as intermináveis lutas civis internas tão comuns
reprodução
   O filósofo e o seu    discípulo
entre os diversos pretendentes rivais, "gente ávidas de bens particulares", sempre em luta, divergindo com espadas, na tentativa de ficar com o poder. O governo da cidade cabe pois aos mais instruídos e aos que manifestam mais indiferença ao poder, ainda que seja a característica do sábio "o desprezo pelos cargos públicos", pela simples razão deles terem sido os únicos a terem vislumbrado o bem, o belo e o justo.

Os Dois Mundos de Platão

Mundo visívelMundo invisível
A sua geografia limita-se ao espaço sombrio da cavernaÉ todo universo fora da caverna, o espaço composto pelo ar e pela terra inteira
Caracteriza-se pela escuridão, é um mundo de sombras, de lusco-fusco, de imagens imprecisas (ídolos)Dominado pela claridade exuberante de Hélio, o Sol que tudo ilumina com seus raios esplendorosos, permitindo a rápida identificação de tudo, alcançando-se assim a ciência (gnose) e o conhecimento (episteme)
Nele o homem se encontra encadeado, constrangido a olhar só para a parede na sua frente, ficando com a mente embotada, preocupando-se apenas com as coisas mesquinhas do seu dia-a-diaPlenitude do homem liberto da opressiva caverna, podendo investigar e inquirir tudo ao seu redor conhecendo enfim as formas perfeitas
Homem dominado pelas sensações e pelos sentidos mais primáriosHomem orientado pela inteligência (nous) e pela razão (logos)
Em situação de desconhecimento e ignorância (agnosis)Em condições de cultivar a sabedoria e a busca pela verdade e pelo ideal da junção do bem com o belo (kalogathia)
Condição em que se encontra o homem comumCondição do filósofo
Fonte: http://educaterra.terra.com.br/voltaire/cultura/caverna3.htm#inicio


quarta-feira, 18 de maio de 2011

HOJE (18/05/11) É COMEMORADO O DIA DO MUSEU




A palavra “MUSEU” , de origem grega, significa “templo das musas”., e já era usado em Alexandria para designar o local destinado ao estudo das artes e das ciências.

Hoje, o International Concil of Museums a instituição que conserva coleções de objetos de arte ou ciências, para fins de preservação ou apresentação pública.      


Os museus modernos foram criados no século  XVII a partir de doações de coleções particulares como a de Grimani a Veneza. Mas, o primeiro museu como conhecemos hoje surgiu a partir da doação da coleção de John Tradescant, feita por Elias Ashmole, à Universidade de Oxford, conhecido como Ashmolean Museum. O segundo museu público foi criado em 1759, por obra do parlamento inglês, na aquisição da coleção de Hans Sloane (1660-1753), que deu origem ao Museu Britânico.

O primeiro museu público só foi criado, na França, pelo Governo Revolucionário, em 1793: o Museu do Louvre, com coleções acessíveis a todos, com finalidade recreativa e cultural.


O Séc. XIX surgem muitos dos mais importantes museus em todo o mundo, a partir de coleções particulares que se tornam públicas: Museu do Prado (Espanha), Museu Mauritshuis (Holanda).



Somente em 1870, nos Estados Unidos, é fundado o Museu Metropolitano de Arte, em Nova York.



No Brasil, o primeiro museu data de 1862, o Museu do Instituto Arqueológico Histórico e Geográfico Pernambucano (Pernambuco). Os outros museus brasileiros foram todos fundados durante o século XX, sendo o mais importante, pela qualidade do acervo, o MASP - Museu de Arte de São Paulo, fundado em 1947.

Referências:

Besset, Maurice. "Obras, espacios, miradas. El museo en la historia del arte contemporáneo", in A&V-Monografías de Arquitectura y Vivienda, Madrid, 1993
BOURDIEU, Pierre e DARBEL, Alain. L’amour de l’art: les musées et leur public. Paris, Minuit, 1966
DELOCHE, Bernard. Museologica. Contradictions et logique du musée. Pref. André Desvallées. Éditions W, Mâcon,1989
Enciclopædia Britannica do Brasil
SHERMAN, Daniel J., ROGOFF, Irith (ed.) et alii. Museum Culture. Histories. Discourses. Spectacles. Routledge, London, 1994

terça-feira, 10 de maio de 2011

FOLCLORE BRASILEIRO



O que é Folclore

Podemos definir o folclore como um conjunto de mitos e lendas que as pessoas passam de geração para geração. Muitos nascem da pura imaginação das pessoas, principalmente dos moradores das regiões do interior do Brasil. Muitas destas histórias foram criadas para passar mensagens importantes ou apenas para assustar as pessoas. O folclore pode ser dividido em lendas e mitos. Muitos deles deram origem à festas populares, que ocorrem pelos quatro cantos do país.
As lendas são estórias contadas por pessoas e transmitidas oralmente através dos tempos. Misturam fatos reais e históricos com acontecimentos que são frutos da fantasia. As lendas procuraram dar explicação a acontecimentos misteriosos ou sobrenaturais.
Os mitos são narrativas que possuem um forte componente simbólico. Como os povos da antiguidade não conseguiam explicar os fenômenos da natureza, através de explicações científicas, criavam mitos com este objetivo: dar sentido as coisas do mundo. Os mitos também serviam como uma forma de passar conhecimentos e alertar as pessoas sobre perigos ou defeitos e qualidades do ser humano. Deuses, heróis e personagens sobrenaturais se misturam com fatos da realidade para dar sentido a vida e ao mundo.

Algumas lendas, mitos e contos folclóricos do Brasil:
Boitatá
Representada por uma cobra de fogo que protege as matas e os animais e tem a capacidade de perseguir e matar aqueles que desrespeitam a natureza. Acredita-se que este mito é de origemindígena e que seja um dos primeiros do folclore brasileiro. Foram encontrados relatos do boitatá em cartas do padre jesuíta José de Anchieta, em 1560. Na região nordeste, o boitatá é conhecido como "fogo que corre".

Boto
Acredita-se que a lenda do boto tenha surgido na região amazônica. Ele é representado por um homem jovem, bonito e charmoso que encanta mulheres em bailes e festas. Após a conquista, leva as jovens para a beira de um rio e as engravida. Antes de a madrugada chegar, ele mergulha nas águas do rio para transformar-se em um boto.

Curupira
Assim como o boitatá, o curupira também é um protetor das matas e dos animais silvestres. Representado por um anão de cabelos compridos e com os pés virados para trás. Persegue e mata todos que desrespeitam a natureza. Quando alguém desaparece nas matas, muitos habitantes do interior acreditam que é obra do curupira.

Lobisomem
Este mito aparece em várias regiões do mundo. Diz o mito que um homem foi atacado por um lobo numa noite de lua cheia e não morreu, porém desenvolveu a capacidade de transforma-se em lobo nas noites de lua cheia. Nestas noites, o lobisomem ataca todos aqueles que encontra pela frente. Somente um tiro de bala de prata em seu coração seria capaz de matá-lo.

Mãe-D'águaEncontramos na mitologia universal um personagem muito parecido com a mãe-d'água : a sereia. Este personagem tem o corpo metade de mulher e metade de peixe. Com seu canto atraente, consegue encantar os homens e levá-los para o fundo das águas.

Corpo-secoÉ uma espécie de assombração que fica assustando as pessoas nas estradas. Em vida, era um homem que foi muito malvado e só pensava em fazer coisas ruins, chegando a prejudicar e maltratar a própria mãe. Após sua morte, foi rejeitado pela terra e teve que viver como uma alma penada.

Pisadeira
É uma velha de chinelos que aparece nas madrugadas para pisar na barriga das pessoas, provocando a falta de ar. Dizem que costuma aparecer quando as pessoas vão dormir de estômago muito cheio.

Mula-sem-cabeça
Surgido na região interior, conta que uma mulher teve um romance com um padre. Como castigo, em todas as noites de quinta para sexta-feira é transformada num animal quadrúpede que galopa e salta sem parar, enquanto solta fogo pelas narinas.

Mãe-de-ouro
Representada por uma bola de fogo que indica os locais onde se encontra jazidas de ouro. Também aparece em alguns mitos como sendo uma mulher luminosa que voa pelos ares. Em alguns locais do Brasil, toma a forma de uma mulher bonita que habita cavernas e após atrair homens casados, os faz largar suas famílias.

Saci-Pererê
O saci-pererê é representado por um menino negro que tem apenas uma perna. Sempre com seu cachimbo e com um gorro vermelho que lhe dá poderes mágicos. Vive aprontando travessuras e se diverte muito com isso. Adora espantar cavalos, queimar comida e acordar pessoas com gargalhadas.

Curiosidades:

- É comemorado com eventos e festas, no dia 22 de Agosto, aqui no Brasil, o Dia do Folclore.
- Em 2005, foi criado do Dia do Saci, que deve ser comemorado em 31 de outubro. Festas folclóricas ocorrem nesta data em homenagem a este personagem. A data, recém criada, concorre com a forte influência norte-americana em nossa cultura, representanda pela festa do Halloween - Dia das Bruxas.
- A palavra folclore é de origem inglesa. A termo "folk", em inglês, significa povo, enquanto "lore" significa cultura.
- Muitas festas populares, que ocorrem no mês de Agosto, possuem temas folclóricos como destaque e também fazem parte da cultura popular.